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ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA NO FENÓMENO DOS SEM-ABRIGO
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Para além do pecado e da doença: desconstruindo discursos sobre o fenómeno dos sem-abrigo
Publication . Aldeia, João
As diversas representações sobre o fenómeno dos sem-abrigo tendem a articular-se, levando a uma narrativa dominante que tem no seu centro um arquétipo de «sem-abrigo» que é, simultaneamente, «alcoólico», «toxicodependente», «doente mental», «preguiçoso» e «amoral». Por um efeito-sinédoque, as características muito visíveis de uns poucos indivíduos são representacionalmente atribuídas a todas as pessoas que vivem na rua, levando à sua desqualificação e estigmatização. Este arquétipo não é empiricamente verificável, mas a sua disseminação acrítica reforça a individualização da explicação do fenómeno, invisibilizando as suas causas estruturais. Procurando combater a reprodução acrítica de discursos e práticas sobre o fenómeno dos sem-abrigo, que não só não o resolve com contribui para a desqualificação estigmatizante de quem vive na rua, o texto analisa o arquétipo de «sem-abrigo» criado pelo efeito-sinédoque e defende que os indivíduos sem-abrigo não são «doentes mentais», «toxicodependentes» nem «alcoólicos».
O artesão sem-abrigo: o trabalho como resistência à vida na rua
Publication . Aldeia, João
Viver na rua é uma experiência de dominação que reduz os sem-abrigo a uma situação de menoridade político-ontológica que diminui de forma brutal as suas possibilidades de vida. Face a isto, diversos destes sujeitos resistem, desenvolvendo processos de subjetivação subalterna pelos quais recusam esta desqualificação político-ontológica e tentam produzir-se a si mesmos de outros modos. Uma das técnicas desta subjetivação é o trabalho artesanal. A prática do artesanato permite a vários sem-abrigo criarem linhas de fuga relativa à dominação da vida na rua, minimizando-a por alguns instantes. Apesar disto, a prática artesanal é fundamentalmente limitada como meio de resistência, sendo incapaz de dar origem a processos de transformação estrutural que eliminem a vida na rua.
A actividade tutelada como prática de autonomização dos indivíduos sem-abrigo em Portugal: uma análise crítica
Publication . Aldeia, João
Nas sociedades ocidentais, a intervenção sobre a vida na rua pressupõe que cada indivíduo é sem-abrigo devido a uma falha íntima que deve ser corrigida através de um processo de ressubjectivação que o
autonomize, tornando-o capaz de sair da rua e garantir a sua sobrevivência pelo desempenho de uma actividade remunerada. Uma das práticas de intervenção mais relevantes é a injunção à actividade, um procedimento pelo qual os sujeitos sem-abrigo são incentivados, de forma suave ou coerciva, a realizarem actividades diversas sob a orientação de outrem.
O objectivo da realização destas actividades é levar a que os indivíduos sem-abrigo se produzam a si mesmos como sujeitos empenhados em modificar quem são. Com base num trabalho de campo que consistiu na
observação directa da actuação de vários profissionais da intervenção sobre a vida na rua, bem como de interacções entre indivíduos sem-abrigo, foi possível constatar que o objectivo de autonomização não pode ser alcançado através da prática de injunção à actividade tutelada tal como esta é de facto desenvolvida. Dados os obstáculos estruturais à saída da rua e a situação de heteronomia em que estas práticas de autonomização
decorrem, elas bloqueiam quer a autonomia dos sujeitos sem-abrigo, quer a transformação íntima que visam promover.
Dizer a verdade patológica de si: a injunção ontológica dirigida aos sem-abrigo
Publication . Aldeia, João
Partindo da leitura da obra seminal de Michel Foucault, Du gouvernement des vivants, este texto discute o modo como, no modelo societal moderno ocidental, as práticas de intervenção sobre a vida na rua exigem que cada sujeito sem-abrigo enuncie, de forma repetida, a falha ontológica (e.g., doença ou deficiência mental, preguiça, alcoolismo, toxicodependência) que, supostamente, o faz viver na rua e mostre a sua disposição para a corrigir, transformando o seu íntimo errado sob a orientação de outrem.
No modelo dominante de intervenção sobre a vida na rua, a ressubjetivação é considerada como a única solução possível para a saída da rua e esta transformação íntima é indissociável da exigência de que cada sujeito sem-abrigo diga a verdade de si. Contudo, na vida na rua, estas enunciações de si mesmo não assumem a forma de injunções biográficas pois, em rigor, o acesso a uma biografia consequente é negado aos sem-abrigo.
Antes, ao ser-lhe exigido que exponha seu íntimo, cada sem-abrigo recebe uma injunção ontológica para enunciar a verdade do seu erro íntimo elementar, erro esse que nunca poderá superar totalmente, mas que deve se mostrar disposto a, resilientemente e sem uma possibilidade significativa de sucesso, corrigir.
A medicalização grotesca da vida na rua
Publication . Aldeia, João
Nas últimas décadas, a intervenção sobre a vida na rua tem vindo a assumir um caráter crescentemente medicalizado, formatando-a como uma questão de anormalidade neuro-psiquiátrica individual. Com base na observação direta de diversos tipos de interações da vida na rua são discutidos vários exemplos da medicalização de condutas de sujeitos sem-abrigo. Estes deixam claro que medicalizar a vida na rua é um procedimento intrinsecamente “grotesco”, no sentido que Foucault confere ao termo, referindo-se a uma maximização dos efeitos de poder que parte da desqualificação fundamental de quem o exerce e dos seus enunciados.
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Fundação para a Ciência e a Tecnologia
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SFRH/BD/85867/2012