Mestrado em Estudos Portugueses Multidisciplinares | Master's Degree in Multidisciplinary Portuguese Studies - TMEPM
Permanent URI for this collection
Browse
Browsing Mestrado em Estudos Portugueses Multidisciplinares | Master's Degree in Multidisciplinary Portuguese Studies - TMEPM by Subject "1960/80 generations"
Now showing 1 - 1 of 1
Results Per Page
Sort Options
- Uma leitura do romance “Rio de sombras" de António ArnautPublication . Coelho, João Aurélio Sansão; Sequeira, Rosa MariaOs romancistas também escrevem História e podem ser tão importantes como os historiadores neste âmbito. Em Rio de Sombras de António Arnaut encontrámos uma parte substancial da agitada História de Portugal, entre os anos de 1960 e final dos anos oitenta do século XX. Nesta comunicação literária o autor conduz-nos pelos ambientes da sociedade portuguesa sob regime ditatorial, leva-nos à antiga Alemanha Federal para a formação do Partido Socialista e envolve-nos nos labirintos da vida associativa dos universitários de Coimbra e de Lisboa entre as manifestações de vanguarda cultural, inquietudes e repressões de família e da sinistra polícia política (Pide) e da Censura. O autor, numa narração polifónica com a contribuição de um narrador contratado e do protagonista Afonso, acompanha o eclodir da guerra colonial. No plano castrense percebemos como foi ganhando forma, através de capitães insubmissos, o Movimento das Forças Armadas e a Revolução do 25 de Abril. E percebemos ainda como os cravos vermelhos, signos da Revolução, foram algumas vezes mantendo a cor viçosa e, outras vezes, desbotando, tal como a esperança num Portugal progressivo. A emancipação da mulher, o aumento da escolaridade, a melhoria de infraestruturas, a criação do Serviço Nacional de Saúde que veio dar aos cidadãos o que eles nunca tiveram - quem os apoiasse na doença -, são aspetos reveladores da diferença para melhor, no país. Arnaut, advogado, político, escritor e maçon fala-nos de uma ética republicana que deve pautar a vida pública e que também algumas vezes desbotou. O epílogo de Rio de Sombras é agosto de 1988, mas o autor deu à estampa este romance em 2007. A hemorragia demográfica e de serviços, em particular no Interior, a adiada regionalização, uma corrupção que não foi estancada, “bolsas de pobreza” e dificuldades para alavancar Portugal rumo a um progresso eficaz, económico e social, são aspirações que subjazem no corpus deste romance. Embora Arnaut, através do protagonista, nos tenha mostrado pouco mais do que uma dezena de anos após o 25 de Abril, projeta alertas e preocupações por não se cumprirem ideais perspetivados e por alguma falta de ética na vida pública portuguesa: e apela para uma ética republicana. Procurámos ler este romance como um livro de História e ver esta fase da vida portuguesa comentada pelo autor. Apesar de refletir em cruas realidades observáveis, Arnaut deixa plantada uma semente de esperança. O romance, na sua fragmentariedade, está inserido numa corrente estética pós-modernista e observámos os requintados expedientes literários com que o autor disseca situações da vida entre o real e o ficcional e que nos leva a enquadrar esta narrativa de cariz histórica e autobiográfica na autoficção. Em conclusão: os escritores são ainda mais importantes para a sociedade se nela tomarem parte como o fez António Arnaut com Rio de Sombras.