Línguas, Literaturas e Culturas Estrangeiras | Livros / Books
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Browsing Línguas, Literaturas e Culturas Estrangeiras | Livros / Books by Author "Carreto, Carlos F. Clamote"
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- Figuras do Silêncio: do inter/dito à emergência da palavra no texto medievalPublication . Carreto, Carlos F. ClamoteFalar ou escrever sobre o silêncio representa sempre um desafio. Um desafio e também um paradoxo que devemos assumir quando nos defrontamos com esta ferida que a escrita nunca cessa de deslocar e de reabrir. Ora, desde a sua infância, é justamente através da escrita do silêncio, através da outra face de si mesma, que a literatura medieval se pensa e se reflecte de forma privilegiada. Não se trata aqui do silêncio “mudo”, daquele que se instala como negação ou vazio de sentido, mas sim de um silêncio positivo, matricial e poético na plena acepção do termo: é o silêncio da espera, o silêncio que escande a linguagem e sem o qual nem a comunicação, nem o sentido seriam possíveis, o silêncio que precede uma resposta, o silêncio que traduz um não-saber, uma hesitação ou um consentimento. Ctónico, mortal e opaco, ou, pelo contrário, absolutamente luminoso e numinoso, este silêncio define-se como a presença que se inscreve na própria ausência. Silêncio e palavra in-formam-se assim mutuamente, constiuindo as duas faces indissociáveis de uma única, embora complexa, realidade, essencialmente quando nos situamos num contexto literário (o do romance arturiano em verso do século XII) que se caracteriza pela enriquecedora fusão de culturas, discursos e imaginários. Daí falarmos em figuras do silêncio. As figuras remetem, antes de mais, para uma morfologia, ou melhor, para os diversos rostos desta entidade multiforme constantemente investida pelo mito, a ideologia e o desejo que a obrigam a dissimular-se ou a retirar-se sempre que qualquer um destes discursos a tenta apreender ou aprisionar na e pela palavra, ficando então sujeita a repetidas anamorfoses perante este imenso espelho deformador que o texto medieval representa. Mas as figuras evocam também os lugares comuns da retórica sem os quais o percurso pela plasticidade dos significantes textuais e a evanescência dos significados se tornaria desconcertante. Representam finalmente as entrelinhas do discurso, os interstícios criados no interior da própria palavra: dimensão verdadeiramente simbólica veiculada simultaneamente pelo não-dito e pelo inter/dito. O traço oblíquo que cinde esta última palavra não é fortuito: significa precisamente a fractura que inexoravelmente se inscreve na linguagem, dificultando o acesso ao sentido e bloqueando temporariamente a comunicação do sujeito consigo próprio, com o outro e/ou com o mundo. Este ensaio adquire então, naturalmente, os contornos de um tríptico no qual, podemos observar, num dos lados, os caminhos para o surgimento privilegiado de um tema (Limiares) e, no outro (U-tópicas), algumas das estratégias poéticas que a ficção desenvolve para restituir à linguagem o seu poder de representação, a sua sacralidade e a sua transparência, reintegrando-a na Ordem Universal da qual emerge a “grande planície das palavras e das coisas” (utilizando a bela expressão de M. Foucault). No centro deste quadro e na origem do romance arturiano está o eterno drama de Babel (Anamorfoses). Levar os silêncios a comunicarem algo exige evidentemente, mais do que nunca, uma abordagem inter ou pluridisciplinar. Contudo, na impossibilidade de reencontrar utopicamente o mundo das correspondências perdidas, será na tentativa de fazer convergir o Real, a Linguagem e o Imaginário que este trabalho pretende explorar o universo pluridimensional do silêncio e procurar um sentido no e para o texto medieval cujo objectivo primeiro e último é o de restaurar o bom funcionamento dos signos, inicitando o leitor a “penser et antandre/ a bien dire et a bien aprandre” (Chrétien de Troyes, Érec et Énide, v.11-12).
- O mercador de palavras ou a rescrita do mundo. Literatura e pensamento económico na Idade MédiaPublication . Carreto, Carlos F. ClamoteNuma altura em que tende a acentuar-se o aparente divórcio epistemológico entre paradigma mercantil e imaginário literário e artístico, este ensaio volta a mergulhar-nos numa época em plena efervescência (os séculos XII e XIII) onde pensamento económico e criação poética participam de uma mesma visão semiológica e simbólica do mundo; uma visão plural, complexa e, não raras vezes, paradoxal que nos permite questionar e apreender aspetos cruciais da nossa própria identidade cultural. «A ousadia do autor manifesta-se desde logo por se ter aventurado num campo riquíssimo e intensamente perscrutado desde há mais de duzentos anos pelos mais categorizados especialistas da literatura medieval europeia […]. Move-se neste amplo e complexo conjunto de predecessores com perfeito à vontade e notório prazer. Consegue comunicar ao leitor o seu próprio encanto por uma escrita saborosa, pitoresca, inventiva, cheia de frescura e, quase sempre, bem mais complexa do que parece à primeira vista […]. Na reconstituição do sentido e na contextualização do meio social em que essa figura [do mercador] aparece e ganha identidade, têm lugar os mais variados apoios da interpretação proposta: a história de conceitos formulados já desde a patrística, mas reformulados por teólogos, moralistas, comentadores, pregadores e mestres espirituais dos séculos XII e XIII; a transformação das condições sociais e económicas da sociedade do centro europeu […]; a construção das teorias sobre as relações entre o poder espiritual e o poder temporal e sobre a função monárquica; as variadíssimas interpretações e adaptações da ideologia das "três ordens"; o papel e a simbólica do dom, da troca, do dinheiro, da compra; a doutrina sobre os vícios e as virtudes; as representações do poder, da avareza e da generosidade; a simbólica da cidade e da floresta, do castelo, da torre e da catedral; enfim, uma imensa multidão de temas, conceitos, discursos, pressupostos e representações que, no seu conjunto, não deixam praticamente nenhum aspecto da vida medieval por examinar, tal como ela é representada em toda a espécie de textos da época» (José Mattoso, do prefácio).