Didática das Línguas - Multilinguismo e Educação para a Cidadania Global | Language Didactics - Multilingualism and Education for Global Citizenship
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Browsing Didática das Línguas - Multilinguismo e Educação para a Cidadania Global | Language Didactics - Multilingualism and Education for Global Citizenship by advisor "Susana Correia"
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- Perceção de acento e redução vocálica na aquisição fonológica em PL2 : implicações para a prática pedagógicaPublication . Tavares, Gabriela Pereira; Susana Correia; Andrea DemeAtualmente, a promoção oficial da língua portuguesa em universidades no estrangeiro abrange cerca de 90 países, através de cátedras académicas, leitorados e acordos de cooperação, e Centros de Língua Portuguesa (Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, 2016a). Na Hungria, o português está presente em nove universidades, duas das quais com um professor nativo de português europeu (PE). Os materiais didáticos para o Português L2 (PL2) utilizados na Hungria incluem livros publicados em Portugal para um público mais vasto de aprendentes e livros criados especificamente para aprendentes húngaros. Os manuais publicados em Portugal incluem uma variedade de material auditivo, mas não se destinam especificamente a falantes nativos de húngaro. O material concebido para os alunos húngaros de PL2 é constituído por dois manuais e um volume de exercícios, mas nenhum deles inclui exercícios auditivos. Uma breve consulta ao material disponível para o ensino do PL2 revela lacunas no que respeita à aquisição fonológica e, especificamente, a exercícios auditivos e de pronúncia. Embora nas últimas décadas a investigação sobre perceção de fala em L2 tenha atraído a atenção de investigadores, e a produção científica nesta área se tenha multiplicado e desenvolvido consideravelmente, os estudos sobre PL2 nas áreas da perceção da fala e aquisição fonológica ainda são escassos, o que condiciona a criação de material didático que reflita conhecimento baseado em evidência. O presente trabalho tem como objetivo contribuir para diminuir esta lacuna. O tema desta tese foi motivado pela observação em sala de aula de problemas específicos observados em aprendentes húngaros na aquisição da fonologia do PE, nomeadamente com as vogais reduzidas [ɐ] e [ɨ], bem como com o acento de palavra. Relativamente a este último, estudos anteriores demonstraram que os falantes nativos húngaros apresentam insensibilidade a contrastes de acento de palavra, isto é ‘surdez acentual’ (Honbolygó et al., 2017; Peperkamp et al., 2010; Peperkamp & Dupoux, 2002). Quanto às vogais átonas do PE [ɐ] e [ɨ], estas encontram-se ausentes no inventário vocálico húngaro e, até ao momento, não foram publicados estudos sobre a perceção destas vogais por falantes nativos húngaros. No entanto, as dificuldades e o percurso de aprendizagem dos nativos desta língua podem ser facilmente identificados nas produções escritas dos aprendentes, em sala de aula. No caso de [ɐ], os estudantes apresentam o hábito sistemático de transcrever esta vogal reduzida como , que no sistema húngaro representa inequivocamente a categoria /ɛ/. Este problema é observável tanto em níveis de aprendizagem iniciais como em níveis mais avançados, embora menos frequentemente. Já no que diz respeito a [ɨ], embora se observem algumas dificuldades iniciais, os aprendentes parecem aperceber-se rapidamente de que, na fala, esta vogal é frequentemente apagada, ao contrário do que acontece com [ɐ]. Finalmente, vale a pena mencionar que os problemas descritos acima – vogais reduzidas e acento de palavra – estão fortemente interligados, uma vez que, em português, as vogais reduzidas ocorrem principalmente em sílabas átonas. Além disso, a redução das vogais é a principal pista acústica para a perceção de acento para os falantes nativos de PE (Correia et al., 2015; Delgado-Martins, 1986). A relação entre vogais reduzidas e acento de palavra é, portanto, de grande importância na aquisição do PL2. A questão específica que orienta este trabalho é a de compreender como falantes cuja língua não inclui as vogais reduzidas [ɐ] ou [ɨ] e que não distingue contrastes de acento de palavra adquirem estas propriedades do PE. Para além desta questão, pretendemos também investigar qual o método mais eficiente para adquirir estas características. Para averiguar estas questões, foram conduzidos dois estudos. O primeiro estudo consistiu num teste de identificação (forced-choice identification task with goodness-of-fit rating). Neste estudo foram analisados resultados de 78 participantes, que identificaram as nove vogais orais do PE a partir das nove vogais húngaras. Os resultados mostraram que as vogais portuguesas [ɐ] e [ɨ] são identificadas maioritariamente como as categorias húngaras /ɛ/ e /y/, respetivamente. Estes resultados sugerem os seguintes problemas: primeiro, existe um conflito na perceção de [ɐ], uma vez que tanto [ɐ] como [ɛ] são identificados pelos falantes húngaros como /ɛ/. Segundo, os ouvintes húngaros também apresentaram problemas na perceção das vogais [ɛ], [e] e, em menor grau, [i]. Com base nos resultados recolhidos nesta experiência, selecionámos então as vogais portuguesas a treinar por aprendentes húngaros: as vogais-alvo da presente tese, [ɐ] e [ɨ], e as vogais [ɛ], [e] e [i]. O segundo estudo consistiu num treino percetivo, que incluiu três intervenções, conduzidas paralelamente em três grupos de aprendentes húngaros de PL2: uma intervenção focada nas vogais orais do PE acima mencionadas (Grupo Vowels), uma intervenção focada em contraste de acento suprassegmentais (Grupo Stress), e uma intervenção focada nas vogais orais e acento do PE (Grupo Vowels & Stress). Os treinos foram completados por 66 aprendentes húngaros inscritos em cursos de PL2 Nível Iniciação, recrutados em nove universidades da Hungria. Cada intervenção teve a duração de seis semanas, tendo os aprendentes de completar uma sessão por semana. As sessões consistiram em tarefas de discriminação AX e AXB, com cerca de 10 ou 15 minutos cada. Antes e depois do treino, os participantes completaram um pré-teste e um pós-teste. Estes consistiram em tarefas de intruso (oddity tasks), e testaram a discriminação das vogais orais centrais e anteriores do PE, assim como do acento de palavra a nível suprassegmental. Todas as etapas – testes, sessões de treino e questionários – foram conduzidas online. No que diz respeito a alterações na discriminação das vogais, a análise dos resultados mostrou que, no geral, nenhum dos três grupos melhorou significativamente na discriminação das vogais-alvo, nem mesmo os grupos cujas intervenções focaram contrastes vocálicos – Vowels e Vowels & Stress. No entanto, na análise dos resultados de cada contraste observou-se que os três grupos melhoraram na discriminação dos contrastes [ɐ]-[ɛ] e [ɐ]-[ɨ], embora neste último caso a melhoria tenha sido apenas ligeira. Relativamente à discriminação de contrastes de acento de palavra, os grupos cujo treino focou este aspeto – Grupo Stress e Grupo Vowels & Stress – apresentaram uma melhoria significativa na perceção de acento de palavra, comparativamente ao Grupo Vowels. A análise mostrou ainda que o Grupo Stress apresentou melhorias mais visíveis do que o Grupo Vowels & Stress. Os resultados do estudo do treino percetivo permitiram-nos apresentar diferentes conclusões. Primeiro, a trajetória de aquisição de vogais não é homogénea, uma vez que os participantes apresentaram melhorias apenas alguns contrastes vocálicos. Especificamente, os aprendentes húngaros de PL2 apresentaram uma melhoria mais visível no contraste que prevíamos ser o mais problemático: [ɐ]-[ɛ]. Contrariamente, nos contrastes envolvendo as vogais [ɛ], [e] e [i], os participantes revelaram mais dificuldades. Segundo, a melhoria observada na discriminação de contrastes de acento de palavra mostra que a ‘surdez acentual’ pode ser ultrapassada com um treino adequado, e em pouco tempo (6 semanas). Terceiro, um treino que combine vogais e acento de palavra não é mais eficaz do que treinos que foquem estas propriedades separadamente. No entanto, acrescentamos que a análise dos resultados também não apresenta evidência estatística de que um treino que combine vogais e acento de palavra seja menos eficaz. Finalmente, os resultados mostram que aprendentes húngaros de PL2 no nível inicial da aprendizagem da L2 beneficiam de um treino percetivo que foca uma propriedade suprassegmental (acento de palavra), mas não de um treino percetivo que foca uma propriedade segmental (vogais). Este facto sugere que, tal como para a L1, na aquisição da perceção de fala em L2, as propriedades suprassegmentais precedem as segmentais. No entanto, esta conclusão deve de ser interpretada com precaução, uma vez que os resultados podem ser específicos do contexto do estudo realizado. Os estudos apresentados nesta tese apresentam evidência empírica que, esperamos, possa vir a contribuir para uma melhor compreensão do processo de aquisição de fala do PL2. Além disso, com este trabalho, pretende-se também contribuir para o desenvolvimento de material didático a partir de conhecimento cientificamente adquirido.