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Authors
Advisor(s)
Abstract(s)
Atualmente, a promoção oficial da língua portuguesa em universidades no
estrangeiro abrange cerca de 90 países, através de cátedras académicas, leitorados e
acordos de cooperação, e Centros de Língua Portuguesa (Camões – Instituto da Cooperação
e da Língua, 2016a). Na Hungria, o português está presente em nove universidades, duas
das quais com um professor nativo de português europeu (PE). Os materiais didáticos para
o Português L2 (PL2) utilizados na Hungria incluem livros publicados em Portugal para um
público mais vasto de aprendentes e livros criados especificamente para aprendentes
húngaros. Os manuais publicados em Portugal incluem uma variedade de material auditivo,
mas não se destinam especificamente a falantes nativos de húngaro. O material concebido
para os alunos húngaros de PL2 é constituído por dois manuais e um volume de exercícios,
mas nenhum deles inclui exercícios auditivos.
Uma breve consulta ao material disponível para o ensino do PL2 revela lacunas no
que respeita à aquisição fonológica e, especificamente, a exercícios auditivos e de
pronúncia. Embora nas últimas décadas a investigação sobre perceção de fala em L2 tenha
atraído a atenção de investigadores, e a produção científica nesta área se tenha
multiplicado e desenvolvido consideravelmente, os estudos sobre PL2 nas áreas da
perceção da fala e aquisição fonológica ainda são escassos, o que condiciona a criação de
material didático que reflita conhecimento baseado em evidência. O presente trabalho tem
como objetivo contribuir para diminuir esta lacuna.
O tema desta tese foi motivado pela observação em sala de aula de problemas
específicos observados em aprendentes húngaros na aquisição da fonologia do PE,
nomeadamente com as vogais reduzidas [ɐ] e [ɨ], bem como com o acento de palavra.
Relativamente a este último, estudos anteriores demonstraram que os falantes nativos
húngaros apresentam insensibilidade a contrastes de acento de palavra, isto é ‘surdez
acentual’ (Honbolygó et al., 2017; Peperkamp et al., 2010; Peperkamp & Dupoux, 2002).
Quanto às vogais átonas do PE [ɐ] e [ɨ], estas encontram-se ausentes no inventário vocálico
húngaro e, até ao momento, não foram publicados estudos sobre a perceção destas vogais
por falantes nativos húngaros. No entanto, as dificuldades e o percurso de aprendizagem
dos nativos desta língua podem ser facilmente identificados nas produções escritas dos
aprendentes, em sala de aula. No caso de [ɐ], os estudantes apresentam o hábito
sistemático de transcrever esta vogal reduzida como <e>, que no sistema húngaro
representa inequivocamente a categoria /ɛ/. Este problema é observável tanto em níveis
de aprendizagem iniciais como em níveis mais avançados, embora menos frequentemente.
Já no que diz respeito a [ɨ], embora se observem algumas dificuldades iniciais, os
aprendentes parecem aperceber-se rapidamente de que, na fala, esta vogal é
frequentemente apagada, ao contrário do que acontece com [ɐ].
Finalmente, vale a pena mencionar que os problemas descritos acima – vogais
reduzidas e acento de palavra – estão fortemente interligados, uma vez que, em português,
as vogais reduzidas ocorrem principalmente em sílabas átonas. Além disso, a redução das
vogais é a principal pista acústica para a perceção de acento para os falantes nativos de PE
(Correia et al., 2015; Delgado-Martins, 1986). A relação entre vogais reduzidas e acento de
palavra é, portanto, de grande importância na aquisição do PL2.
A questão específica que orienta este trabalho é a de compreender como falantes
cuja língua não inclui as vogais reduzidas [ɐ] ou [ɨ] e que não distingue contrastes de acento
de palavra adquirem estas propriedades do PE. Para além desta questão, pretendemos
também investigar qual o método mais eficiente para adquirir estas características. Para
averiguar estas questões, foram conduzidos dois estudos.
O primeiro estudo consistiu num teste de identificação (forced-choice identification
task with goodness-of-fit rating). Neste estudo foram analisados resultados de 78
participantes, que identificaram as nove vogais orais do PE a partir das nove vogais
húngaras. Os resultados mostraram que as vogais portuguesas [ɐ] e [ɨ] são identificadas
maioritariamente como as categorias húngaras /ɛ/ e /y/, respetivamente. Estes resultados
sugerem os seguintes problemas: primeiro, existe um conflito na perceção de [ɐ], uma vez
que tanto [ɐ] como [ɛ] são identificados pelos falantes húngaros como /ɛ/. Segundo, os
ouvintes húngaros também apresentaram problemas na perceção das vogais [ɛ], [e] e, em
menor grau, [i]. Com base nos resultados recolhidos nesta experiência, selecionámos então
as vogais portuguesas a treinar por aprendentes húngaros: as vogais-alvo da presente tese,
[ɐ] e [ɨ], e as vogais [ɛ], [e] e [i].
O segundo estudo consistiu num treino percetivo, que incluiu três intervenções,
conduzidas paralelamente em três grupos de aprendentes húngaros de PL2: uma
intervenção focada nas vogais orais do PE acima mencionadas (Grupo Vowels), uma
intervenção focada em contraste de acento suprassegmentais (Grupo Stress), e uma
intervenção focada nas vogais orais e acento do PE (Grupo Vowels & Stress). Os treinos
foram completados por 66 aprendentes húngaros inscritos em cursos de PL2 Nível
Iniciação, recrutados em nove universidades da Hungria. Cada intervenção teve a duração
de seis semanas, tendo os aprendentes de completar uma sessão por semana. As sessões
consistiram em tarefas de discriminação AX e AXB, com cerca de 10 ou 15 minutos cada.
Antes e depois do treino, os participantes completaram um pré-teste e um pós-teste. Estes
consistiram em tarefas de intruso (oddity tasks), e testaram a discriminação das vogais orais
centrais e anteriores do PE, assim como do acento de palavra a nível suprassegmental.
Todas as etapas – testes, sessões de treino e questionários – foram conduzidas online.
No que diz respeito a alterações na discriminação das vogais, a análise dos
resultados mostrou que, no geral, nenhum dos três grupos melhorou significativamente na
discriminação das vogais-alvo, nem mesmo os grupos cujas intervenções focaram
contrastes vocálicos – Vowels e Vowels & Stress. No entanto, na análise dos resultados de
cada contraste observou-se que os três grupos melhoraram na discriminação dos
contrastes [ɐ]-[ɛ] e [ɐ]-[ɨ], embora neste último caso a melhoria tenha sido apenas ligeira.
Relativamente à discriminação de contrastes de acento de palavra, os grupos cujo treino
focou este aspeto – Grupo Stress e Grupo Vowels & Stress – apresentaram uma melhoria
significativa na perceção de acento de palavra, comparativamente ao Grupo Vowels. A
análise mostrou ainda que o Grupo Stress apresentou melhorias mais visíveis do que o
Grupo Vowels & Stress.
Os resultados do estudo do treino percetivo permitiram-nos apresentar diferentes
conclusões. Primeiro, a trajetória de aquisição de vogais não é homogénea, uma vez que
os participantes apresentaram melhorias apenas alguns contrastes vocálicos.
Especificamente, os aprendentes húngaros de PL2 apresentaram uma melhoria mais visível
no contraste que prevíamos ser o mais problemático: [ɐ]-[ɛ]. Contrariamente, nos
contrastes envolvendo as vogais [ɛ], [e] e [i], os participantes revelaram mais dificuldades.
Segundo, a melhoria observada na discriminação de contrastes de acento de
palavra mostra que a ‘surdez acentual’ pode ser ultrapassada com um treino adequado, e
em pouco tempo (6 semanas).
Terceiro, um treino que combine vogais e acento de palavra não é mais eficaz do
que treinos que foquem estas propriedades separadamente. No entanto, acrescentamos
que a análise dos resultados também não apresenta evidência estatística de que um treino
que combine vogais e acento de palavra seja menos eficaz.
Finalmente, os resultados mostram que aprendentes húngaros de PL2 no nível
inicial da aprendizagem da L2 beneficiam de um treino percetivo que foca uma propriedade
suprassegmental (acento de palavra), mas não de um treino percetivo que foca uma
propriedade segmental (vogais). Este facto sugere que, tal como para a L1, na aquisição da
perceção de fala em L2, as propriedades suprassegmentais precedem as segmentais. No
entanto, esta conclusão deve de ser interpretada com precaução, uma vez que os
resultados podem ser específicos do contexto do estudo realizado.
Os estudos apresentados nesta tese apresentam evidência empírica que,
esperamos, possa vir a contribuir para uma melhor compreensão do processo de aquisição
de fala do PL2. Além disso, com este trabalho, pretende-se também contribuir para o
desenvolvimento de material didático a partir de conhecimento cientificamente adquirido.
L2 speech perception has regained attention from researchers in the last two decades. However, studies in L2 Portuguese are still scarce. This absence curtails the design of adequate didactic material for phonological acquisition. The present work aims at contributing to lessen this gap, by observing the acquisition of reduced vowels and word stress by Hungarian learners of L2 Portuguese. To this purpose, two experiments were conducted. First, a forced-choice identification task was run to observe how Hungarian native speakers map the EP oral vowels into their L1 inventory. Results showed multiple cases of perceptual overlap, with higher rates for the vowels [ɐ], [ɛ] and [e]. The second experiment consisted of a high variability perceptual training designed to help learners with the difficulties observed in the identification task, as well as with word stress discrimination, in which Hungarian speakers have been reported to exhibit ‘deafness’. Three groups of Hungarian learners of L2 Portuguese were recruited at the onset of learning: one group was trained on EP vowels discrimination, the second group received training on EP word stress without vowel reduction, and the third group trained EP word stress with vowel reduction. Results showed that the interventions focused on word stress were effective in stress discrimination, but no improvement was observed in EP vowel discrimination as a result of training. The findings of the present work offer us an insight on L2 speech perception, namely that L2 vowel perceptual tunning is not a homogeneous process and that perceptual training aids learners to overcome problems with word stress discrimination.
L2 speech perception has regained attention from researchers in the last two decades. However, studies in L2 Portuguese are still scarce. This absence curtails the design of adequate didactic material for phonological acquisition. The present work aims at contributing to lessen this gap, by observing the acquisition of reduced vowels and word stress by Hungarian learners of L2 Portuguese. To this purpose, two experiments were conducted. First, a forced-choice identification task was run to observe how Hungarian native speakers map the EP oral vowels into their L1 inventory. Results showed multiple cases of perceptual overlap, with higher rates for the vowels [ɐ], [ɛ] and [e]. The second experiment consisted of a high variability perceptual training designed to help learners with the difficulties observed in the identification task, as well as with word stress discrimination, in which Hungarian speakers have been reported to exhibit ‘deafness’. Three groups of Hungarian learners of L2 Portuguese were recruited at the onset of learning: one group was trained on EP vowels discrimination, the second group received training on EP word stress without vowel reduction, and the third group trained EP word stress with vowel reduction. Results showed that the interventions focused on word stress were effective in stress discrimination, but no improvement was observed in EP vowel discrimination as a result of training. The findings of the present work offer us an insight on L2 speech perception, namely that L2 vowel perceptual tunning is not a homogeneous process and that perceptual training aids learners to overcome problems with word stress discrimination.
Description
Keywords
Perceção de fala em L2 Primeira língua Influência interlinguística Treino percetivo Vogais reduzidas Acento de palavra L2 speech perception L2 Portuguese Cross-language influence Perceptual training Reduced vowels Word stress
Citation
Tavares, Gabriela Pereira - Perceção de acento e redução vocálica na aquisição fonológica em PL2 : implicações para a prática pedagógica = Word stress and reduced vowels perception and acquisition in L2 Portuguese [Em linha]: pedagogical implications. [S.l.]: [s.n.], 2024. 456 p.