Name: | Description: | Size: | Format: | |
---|---|---|---|---|
2.7 MB | Adobe PDF |
Authors
Advisor(s)
Abstract(s)
As projeções da Food Agricultural Organization (FAO), que apontam para um
crescimento exponencial da população mundial (10 mil milhões em 2050, ou seja, +38%
comparado com os níveis atuais), levantam muitas preocupações e dúvidas sobre a
capacidade dos sistemas de produção agroalimentar contemporâneos em satisfazer a procura
alimentar a médio e longo prazo.
Um tal cenário tem levado organizações internacionais e a comunidade científica a
alertar progressivamente a opinião pública em relação à necessidade e à urgência de
identificar fontes nutricionais adicionais para poder alimentar o nosso planeta no futuro.
Nesta perspetiva, os insetos apresentam-se como uma alternativa particularmente
adequada e até mais sustentável de que a carne e outros alimentos que constituem atualmente
as principais fontes de proteínas animais na alimentação humana. As elevadas taxas de
conversão alimentar que os insetos apresentam (ou seja, a sua capacidade de transformar os
alimentos ingeridos em carne comestível) e o reduzido impacto ambiental que a sua criação
envolve em contraoposição à dos animais produtores de alimentos mais tradicionais, estão
entre as vantagens mais frequentemente apontadas para sublinhar o potencial desses animais
e justificar uma sua maior integração na cadeia agroalimentar e na alimentação humana.
No entanto, a difusão da produção e comercialização de insetos para consumo
humano, em especial, tem enfrentado entraves técnicos e regulamentares, para além de um
certo grau de ceticismo por parte dos consumidores, em vários mercados. Este é
manifestamente o caso das sociedades ocidentais em que os insetos nem sempre fazem parte
das dietas tradicionais locais.
Neste contexto, o presente trabalho traça e analisa de forma crítica o estado da arte
da regulamentação da produção e comercialização de insetos para consumo humano e
alimentação animal na União Europeia (UE). Com efeito, ao longo dos últimos anos, a UE
tem dado grandes passos para reformar o seu quadro legislativo com vista a abrir e preparar
gradualmente o mercado para estes novos produtos, tendo reconhecido, deste modo, o
potencial que os insetos representam para os sistemas agroalimentares do futuro em termos
técnicos, ambientais e económicos. No que diz respeito aos insetos para consumo humano, a adoção do Regulamento
(UE) 2015/2283 que estabelece os requisitos a cumprir pelos alimentos que se enquadrem
como novel foods - ou seja, os alimentos que não tenham sido consumidos de forma
significativa na UE antes de 15 de maio 1997 – representa, até hoje, a evolução normativa
mais importante nesta área, na medida em que abrange os insetos no seu âmbito de aplicação
sujeitando a sua comercialização a uma avaliação do risco prévia e aprofundada que
certifique a segurança desses alimentos.
No entanto, a pesquisa e a análise efetuadas para a elaboração do presente trabalho
mostram que entraves técnicos e regulatórios importantes permanecem ainda hoje a nível da
legislação europeia, o que acaba por impedir a este novo setor da cadeia agroalimentar de
crescer, se consolidar e prosperar e aos seus operadores de competir no mercado em
igualdade de condições.
Atualmente, e em relação aos insetos para consumo humano, um dos principais
obstáculos regulamentares deriva da fragmentação do mercado europeu em consequência da
implementação de diferentes soluções por cada um dos Estados-Membros antes da entrada
em vigor ou da aplicação do regulamento (UE) 2015/2283, face à ausência de disposições
europeias harmonizadas. Neste contexto específico, é possível observar que, enquanto
alguns países - em particular no Norte da Europa (por exemplo, Bélgica, Países Baixos,
Reino Unido e Finlândia) - adotaram políticas mais liberais no que diz respeito à
comercialização de insetos para consumo humano, outros (por exemplo, França, Itália e
Portugal) optaram por políticas mais cautelosas e, por isso, mais restritivas, atendendo
essencialmente a preocupações de saúde pública. Inevitavelmente, esta fragmentação
regulamentar reflete-se hoje nas relevantes dinâmicas do mercado europeu, que, embora
‘único’, apresenta, de facto, diferentes velocidades, na medida em que há operadores
económicos que já estão presentes num ou mais mercados nacionais e outros que não tiveram
ainda a oportunidade de comercializar tais produtos.
Em segundo lugar, um outro entrave, de natureza técnico-administrativa, prende-se
com o procedimento de autorização dos insetos e dos produtos derivados. Com efeito, todas
as autorizações atualmente pendentes (n=12) já ultrapassaram largamente a duração mínima
estabelecida pela legislação europeia no caso do procedimento de autorização geral
(aproximadamente 17 meses). Nestas circunstâncias, é difícil perceber se esses atrasos são imputáveis à incompletude dos pedidos de autorização apresentados pelos demais
requerentes e / ou à gestão do procedimento pelas entidades europeias competentes. O direito
de explorar de forma exclusiva o novel food por um período máximo de 5 anos na sequência
da sua autorização que os requerentes podem invocar ao abrigo do regulamento constitui
outro potencial entrave a médio prazo para os outros operadores económicos deste setor.
Além dos entraves referidos acima, faltam atualmente a nível da UE requisitos
específicos de segurança e qualidade adaptados às necessidades e especificidades do setor
dos insetos para consumo humano. No que diz respeito à segurança desse animais enquanto
alimentos, face ao número de autorizações atualmente pendentes, parece particularmente
urgente a introdução de requisitos mínimos de higiene para a sua criação e processamento,
tal como existem para outras categorias de produtos de origem animal ao abrigo do
regulamento (CE) n.º 853/2004. No entanto, há que registar que o setor profissional europeu
e alguns Estados-Membros já desenvolveram linhas orientadoras para esta área.
Da mesma forma, está igualmente em falta e terá, portanto, que ser provavelmente
adotada no futuro, uma regulamentação específica para os medicamentos autorizados para o
tratamento dos insetos durante a criação e, se necessário, para os resíduos máximos
permitidos desses medicamentos após processamento.
Pelo contrário, há áreas em que o quadro normativo europeu relativo aos insetos para
consumo humano já se encontra numa fase bem avançada. Este é o caso, por exemplo, da
regulamentação das importações, sendo que há já três países extra-UE – Suíça, Canadá e
Coreia do Sul – que poderão exportar para o mercado europeu assim que as primeiras
autorizações de novel foods forem publicadas.
Na vertente da qualidade, as negociações legislativas para estender a aplicação aos
insetos das normas que regulamentam a produção e a comercialização dos produtos
biológicos já começaram. Ao invés, não parece realista esperar que normas de bem-estar
animal sejam propostas num futuro próximo para estes animais, persistindo ainda muita
incerteza científica sobre a capacidade desses animais de poder sentir a dor.
Por outro lado, a regulamentação de insetos como alimentos para animais na UE e o
respetivo mercado parecem globalmente mais desenvolvidos, sendo que a utilização de
proteínas derivantes de sete espécies diferentes de insetos - Hermetia illucens, Musca domestica, Tenebrio molitor, Alphitobius diaperinus, Acheta domesticus, Gryllodes
sigillatus e Gryllus assimilis - encontra-se já autorizada em aquacultura desde meados de
2017. Porém, a adoção de outras medidas regulamentares seria desejável no futuro para
garantir a consolidação e a expansão deste segmento de mercado e, designadamente, a
extensão da permissão de utilização de proteínas de insetos na alimentação de aves de
capoeira e suínos.
Apesar das restrições regulamentares e das lacunas identificadas neste trabalho, se
comparamos a UE com outros países para que os insetos também constituem uma novidade
sob o prisma da alimentação humana e animal – nomeadamente, os Estados Unidos da
América, Canadá, Austrália, Suíça e Brasil - o mercado europeu apresenta, neste momento,
um maior grau de abertura, bem como maior potencial e maturidade de um ponto de vista
legislativo e regulamentar. A longo prazo, isso poderá fazer da UE um líder global nesta
área, tanto enquanto mercado, como organismo internacional de definição de padrões.
Forecasts pointing out to an exponential growth of the global population raise concerns and doubts over the ability of the current agri-food production systems to meet food demand in the medium and long term. Such a prospect has led international organisations and the scientific community to raise awareness about, and call for, the need to identify additional sources of food to feed the world. From this perspective, insects qualify as a suitable and more environmentally friendly alternative to meat and other foods that are source of animal proteins. Notwithstanding that, the uptake of the production and commercialisation of insects as food especially has been facing regulatory hurdles and consumer scepticism in several markets. This is particularly true in the context of Western societies in which insects do not always constitute part of the local traditional diets. Against this background, the present work analyses and discusses the regulatory state-of-the-art for the production and commercialisation of insects as food and feed in the European Union (EU). Over the last few years, the EU has been taking concrete legislative steps with a view to opening up its market in this area. Yet, some key regulatory constraints still exist today, which ultimately prevent the respective industry sector from growing, consolidating and thriving and its players from competing on a level playing field. Currently, the main regulatory constraints in the EU for insects as food include, amongst the others, the fragmentation of the EU market as a result of the adoption of different policy solutions by EU Member States before the entry into force or application of the new novel food regime and the length of the pending novel food authorisation procedures. Also, specific safety and quality requirements tailored to the needs and specificities of the insect food sector are currently missing at EU level. Conversely, the regulation of insects as feed in the EU is at a much more advanced stage, although further regulatory steps would be desirable to ensure consolidation and expansion of this market segment. In spite of the regulatory constraints and loopholes identified, drawing a comparison between the EU and other countries for which insects likewise constitute a novelty food and feed wise, the EU market presents a higher degree of openness as well as greater potential and maturity from a regulatory viewpoint. In the long run this can make the EU a global leader for insects as food and feed both as a market and as a standard-setting body.
Forecasts pointing out to an exponential growth of the global population raise concerns and doubts over the ability of the current agri-food production systems to meet food demand in the medium and long term. Such a prospect has led international organisations and the scientific community to raise awareness about, and call for, the need to identify additional sources of food to feed the world. From this perspective, insects qualify as a suitable and more environmentally friendly alternative to meat and other foods that are source of animal proteins. Notwithstanding that, the uptake of the production and commercialisation of insects as food especially has been facing regulatory hurdles and consumer scepticism in several markets. This is particularly true in the context of Western societies in which insects do not always constitute part of the local traditional diets. Against this background, the present work analyses and discusses the regulatory state-of-the-art for the production and commercialisation of insects as food and feed in the European Union (EU). Over the last few years, the EU has been taking concrete legislative steps with a view to opening up its market in this area. Yet, some key regulatory constraints still exist today, which ultimately prevent the respective industry sector from growing, consolidating and thriving and its players from competing on a level playing field. Currently, the main regulatory constraints in the EU for insects as food include, amongst the others, the fragmentation of the EU market as a result of the adoption of different policy solutions by EU Member States before the entry into force or application of the new novel food regime and the length of the pending novel food authorisation procedures. Also, specific safety and quality requirements tailored to the needs and specificities of the insect food sector are currently missing at EU level. Conversely, the regulation of insects as feed in the EU is at a much more advanced stage, although further regulatory steps would be desirable to ensure consolidation and expansion of this market segment. In spite of the regulatory constraints and loopholes identified, drawing a comparison between the EU and other countries for which insects likewise constitute a novelty food and feed wise, the EU market presents a higher degree of openness as well as greater potential and maturity from a regulatory viewpoint. In the long run this can make the EU a global leader for insects as food and feed both as a market and as a standard-setting body.
Description
Keywords
Consumo humano Comercialização Alimentação Insetos Entraves regulamentares Regulamentos União Europeia Food Feed Regulatory constraints EU
Citation
Montanari, Francesco - Production and commercialisation of insects as food and feed: identification of the main constraints in the European Union. Lisbon: [s.n.], 2020. 165 p.