![]() Procedimentos retóricos de legitimação na historiografia ibérica afonsina e pós-afonsina (sécs. XIII - XIV)Universidade Aberta
Os trabalhos fundadores de Eusébio-Jerónimo marcam uma charneira. Mergulham as suas raízes na tradição historiográfica antiga, pagã, e vão, posteriormente, inspirar inúmeros textos cronísticos que, ao longo do período medieval, foram sendo compostos na Europa cristã. Um dos traços que, entre outros, perdurou nesta viragem da historiografia pagã para a cristã foi o facto de tanto uma como a outra servirem de veículo a “discursos de legitimação”. Com efeito, se a historiografia pagã se caracterizou por servir múltiplas causas e procurou justificar inúmeras situações[1], o nascimento da sua congénere cristã caracterizou-se pela vontade de provar a “antiguidade” e a “verdade” da cultura judaico-cristã, procurando, desta forma, legitimar a nova ordem que se formava. Na Península Ibérica, em finais do séc. XIII, verifica-se, igualmente, um momento de charneira quando o rei Afonso X de Castela e de Leão promove a tradução extensiva de um grande número de fontes latinas com vista à elaboração de dois grandes textos historiográficos em vernáculo: a Estoria de Espanna[2] e a General Estoria[3]. Tendo estes dois projectos ficado inconclusos aquando da morte do seu mentor, a dispersão de textos mais ou menos acabados deu origem a diversas reformulações, traduções e arranjos textuais distintos, resultando daí uma família textual bastante rica e complexa[4]. Porém, mais uma vez, seja no processo de tradução e de integração do corpus latino nos textos vernáculos, seja nas inúmeras reformulações que os textos afonsinos sofreram ao longo dos sécs. XIII e XIV, esta historiografia também não perdeu o seu carácter de discurso legitimador. Com efeito, e como o têm vindo a sublinhar Georges Martin e Peter Linehan[5], os textos historiográficos mais desenvolvidos, redigidos em latim, na Península Ibérica, no segundo quartel do séc. XIII, e que serviram de espinha dorsal à construção da Estoria de Espanna afonsina, são duas obras sobejamente empenhadas. Com efeito, tanto o Chronicon Mundi, de Lucas, bispo de Tui[6], como a Historia de Rebus Hispanie, de Rodrigo Jimenez de Rada, arcebispo de Toledo[7], transmitem o passado de forma a que este se acomode e sirva os interesses eclesiásticos e a filosofia de governo que defendem. Ao nível da ideologia política, enquanto que o bispo de Tui procura acentuar as diferenças entre os interesses da realeza e os defendidos pela aristocracia territorial[8], o arcebispo de Toledo advoga uma maior colaboração entre estas duas forças[9]. No âmbito dos interesses eclesiásticos, Lucas salienta a supremacia de Sevilha em detrimento de Toledo. Redige, ainda, a sua obra a partir de uma perspectiva leonesa[10]. Rodrigo, pelo contrário, escolhe escamotear a perspectiva leonesa em prol de Castela e da primazia da sede apostólica de Toledo[11]. Já Afonso X dará à historiografia que patrocina um cunho muito próprio marcado pela suas ambições intelectuais e políticas. Mais uma vez, mudam as intenções, alteram-se os contextos sociais e políticos mas a historiografia mantém, ininterruptamente, o seu carácter de discurso legitimador. Neste âmbito, o corpus da historiografia ibérica afonsina e pós-afonsina constitui um campo particularmente fértil para identificar alguns dos procedimentos retóricos passíveis de serem usados para este fim. Trata-se de um conjunto de textos relativamente semelhantes que, apesar das múltiplas reelaborações a que foram sendo sujeitos mantiveram sempre um certo “ar de família”. No entanto, quer as versões afonsinas quer as pós-afonsinas, que se esforçaram, sucessivamente, por “ordenar” e “acabar” o texto, levaram a que esta mesma linha discursiva fosse sendo manipulada de forma a servir interesses diversos, quando não mesmo opostos. Os textos em questão transcrevem, por vezes, as razões que justificam algumas questões genéricas. Este facto decorre, habitualmente, de uma mera intenção informativa, como “cultura geral”, uma vez que, na época, a sua contestação seria uma hipótese, no mínimo, inconcebível. É o caso da explicação do antagonismo natural que opõe cristãos a muçulmanos e que encontra a sua legitimidade na autoridade bíblica, conforme relata o seguinte excerto da General Estoria:
Pues que dezimos assi segund Iosefo, Noe desque fue passada la fuerça del uino, e esperto, e sopo el el riso e ell escarnio que Cam su fijo fiziera del, yl maldixo en sos fijos e en sus generationes, e los dio en su maldicion por sieruos a Sem e a Japhet e alos suyos, segund cuenta Moysen enel noueno capitulo. [...] Onde, quien quisiere saber dond uino esta enemiztad tan grand e tan luenga entre los cristianos e los moros, daqui cate la razon, ca los gentiles que oy son e los cristianos uienen principal mente de Sem e de Iaphet, que poblaron a Asia e a Europa. Et esto assi es maguer que aun algunos delos de Cam se ayan tornados cristianos, o por predicacion, o por premia de prision e de seruidumbre. E los moros uienen principal mente de Cam, que poblo a Affrica, aun pero que aya algunos delos de Sem e de Iaphet, que por el falso predicamiento de Mahomat se tornassen moros. Onde tenemos nos, segund este derecho e priuilegio, que Noe nuestro padre nos dexo alos de Sem e de Iaphet, dond nos uenimos, que toda cosa de tierra e de al que nos delos de Cam de Affrica, e dond quier quelos moros sean en quales quier otras tierras; ca pues que moros son, todos son de Cam, et si pudieremos algo leuar dellos por batalla o por qualquier fuerça, e aun prender a ellos e ferlos nuestros sieruos, que non fazemos y pecado, nin tuerto nin yerro alguno. [...] Pero el dicho dela maldicion de Noe, que era el padre, que es como priuilegio de enemiztad, por siempre finco e finca entre nos e los de Cam, e aun que esta enamiztad que es ya fecha como natural entre nos e ellos. Mas entre nos los cristianos e los gentiles, que son aun y delos de Sem, e si algunos y a otrossi en ellos delos de Japhet, dezimos que deuie seer amiztad e aun que se faze como natural segund los dichos de Noe, e sobre todo con el debdo que auemos dicho que dixo Noe enel noueno capitulo dela Biblia, que morasse Japhet enlas tiendas de Sem, semeia que non deue auer entre nos e ellos enamiztad natural, como entre nos e los moros. (GE: I, p.52-54)
Porém, se algumas questões são inatacáveis, o mesmo poderá já não se verificar com outras, independentemente de também serem apresentadas sob a forma doutoral e assertiva de uma informação “autorizada”. O melhor exemplo deste segundo caso, neste corpus historiográfico, pode ser verificado na “guerra textual” que se dá entre os textos afonsinos da Estoria de Espanna, marcados pelas aspirações hegemónicas e imperialistas do seu mentor, e a filtragem que esses textos sofrem quando, já depois de algumas reformulações, são traduzidos para português. Com efeito, a historiografia afonsina foi elaborada em sintonia com os projectos políticos de Afonso X, nomeadamente as suas aspirações ao trono do Sacro Império Romano Germânico e o desejo da unificação ibérica. As histórias patrocinadas por este soberano argumentam em prol destas finalidades. Nos momentos em que a Península esteve unificada sob um único líder, a narrativa detém-se para relatar o momento em maior pormenor. Este procedimento de abrandamento da velocidade narrativa (decorrente da amplificatio a que o assunto é sujeito) ocorre, por exemplo, na história de Hércules, o herói da Antiguidade que vem libertar o território de monstros e tiranos[12]. Verifica-se ainda na narrativa do período do domínio Romano, quando se procura dar à Hispania um valor particular no seio do Império. Outro exemplo, que também constitui uma das estratégias mais subtis postas em prática para a defesa e legitimação das ambições políticas de Afonso X, consiste na interpretação de um fenómeno que terá tido lugar aquando do nascimento de Jesus Cristo. Este fenómeno já tinha sido descrito no Chronicon Mundi de Lucas de Tui mas sem qualquer explicação em particular[13]. Por conseguinte, nesta obra, esta “maravilha”, a par de vários outros acontecimentos, limitava-se a servir para marcar o momento do nascimento de Cristo. No texto afonsino, pelo contrário, é inserida uma interpretação que remete para o próprio Afonso X e para o tão ambicionado Sacro-Império:
Otrossi fallamos en las estorias que a aquella ora que Ihesu Cristo nascio, seyendo media noche, apparescio una nuue sobre Espanna que dio tamanna claridat et tan grand resplendor et tamanna calentura cuemo el sol en medio dia quando ua mas apoderado sobre la tierra. E departen sobresto los sabios et dizen que se entiende por aquello que, despues de Ihesu Cristo, uernie su mandadero a Espanna a predigar a los gentiles en la ceguedat en que estauan, et que los alumbrarie con la fe de Cristo; et aqueste fue sant Paulo. Otros departen que en Espanna auie de nascer un princep cristiano que serie sennor de tod el mundo, et ualdrie mas por el tod el linage de los omnes, bien cuemo esclarecio toda la tierra por la claridat daquella nuue en quanto ella duro. (PCG: I, 108)
Ainda outra estratégia que aponta no mesmo sentido, mas que nos surge agora na General Estoria, consiste na construção de uma linhagem imperial imaginária que remonta a sua origem ao próprio Júpiter e termina com Frederico II, o antecessor imediato das pretensões de Afonso X, passando por múltiplos grandes reis, heróis e imperadores que povoaram a História:
Et de Juppiter et desta reyna Niobe uinieron Dardano et Troo, que poblaron, Troya, assi como diremos adelant en su tiempo e en su logar. Et del linage deste Juppiter uino otrossi el grand Alexandre, ca este rey Juppiter fallamos que fue el rey deste mundo fastal dia doy que mas fijos et mas fijas ouo, e condes de muy grand guisa todos los mas, e reynas, como uos contaremos en las estorias delas sus razones; e del uinieron todos los reyes de Troya, e los de Grecia, e Eneas, e Romulo, e los cesares, e los emperadores; e el primero don Frederico, que fue primero emperador delos romanos, et don Frederic, su nieto el segundo deste don Frederic, que fue este otrossi emperador de Roma que alcanço fastal nuestro tiempo, e los uienen del linage dond ellos e los sos, e todos los altos reyes del mundo del uienen; et por tan grand saber e poder, e por tantos bienes et muchos mas quelos que auemos contados aqui que auie en el rey Juppiter, fue el sennor de toda Europa e de todos los pueblos della, assi como dixiemos, e onrraron le todos los mayores reyes delas tierras e todas las yentes; elos gentiles, por todas estas cosas, llamaron le dio, maguer que el era omne. (GE, I, p.200-201)
Por seu turno, a Crónica Geral de Espanha de 1344, em particular na sua segunda redacção, altera diametralmente a perspectiva ideológica centralizadora e imperialista da historiografia afonsina[14]. Trata-se de um texto que terá sido redigido nos anos 80 do séc. XIV[15], ou seja, num momento em que Portugal atravessava uma grave crise económica e política, quando a primeira dinastia chegava ao fim e a possibilidade de ocupação por parte de Castela constituía um perigo e uma possibilidade bastante provável e real. Neste contexto, não podia ser conveniente traduzir verbaliter um texto que fazia a apologia da união ibérica. Assim, a segunda redacção da Crónica de 1344 vai acentuar ainda mais o tom pró-português que já se desenhava na primeira versão desta narrativa, da responsabilidade de D. Pedro Afonso, conde de Barcelos, filho bastardo do rei D. Dinis. Esta preocupação ideológica torna-se tanto mais flagrante quanto o texto da segunda redacção da crónica portuguesa usa, de forma mais exaustiva, a tradição cronística afonsina (nomeadamente a Estoria de Espanna). Assim, se por um lado é possível constatar o desejo de apropriação da Auctoritas inerente aos trabalhos desenvolvidos no scriptorium de Afonso X, por outro lado, são usadas diversas estratégias retóricas com vista ao desvio dos ideais anteriormente defendidos pelo rei Sábio. Desta forma, numa mesma corrente de Autoridade são inseridas modificações que vão alterar, por vezes radicalmente, o sentido ideológico das várias realizações. Com efeito, o discurso historiográfico produzido num pequeno reino que lutava para aumentar as suas fronteiras e para manter a sua independência relativamente aos vizinhos mais poderosos, terá, forçosamente, que recolocar a questão da união ibérica, se bem que agora vista sob o ponto de vista contrário, ou seja, a defesa da divisão da Península em reinos autónomos. Os processos retóricos usados para a prossecução desta “guerra ideológica” são os métodos habituais da dispositio: inserções, supressões, amplificações, resumos... postos em prática a fim de minar a construção textual que o modelo afonsino veiculava. Enquanto que o rei Sábio apresentava Hércules como o primeiro unificador da Península, a segunda redacção da Crónica de 1344 dramatiza e amplifica os traços mais romanescos do relato. A acentuação do cariz romanesco tem como consequência a diluição dos seus contornos ideológicos numa dilectio mais imediata[16]. No que respeita ao período da ocupação romana, o texto português faz uma abbreviatio flagrante. A desculpa apresentada refere o seguinte:
E,
por que esta estoria dos que conquistaron as Spanhas ataa os Godos, fala
de muytos que en ella veheron a conquistar, he forçado, por a hordenança
da storya hir dereita, que, daqueles principes que en ella veheron e
fezeron grandes feitos, que nos os metamos na estoria alg
No entanto, vários acontecimentos que tiveram lugar fora do território ibérico são referidos[17], enquanto que diversas alusões à Hispania e aos imperadores de origem ibérica são esquecidas. Este paradoxo explica-se na medida em que é graças a supressões deste tipo que a crónica portuguesa desconstrói (por omissão) a argumentação e as diversas insinuação imperialistas do discurso afonsino. Para o período da Reconquista, a Crónica de 1344 é, logicamente, mais frugal do que os textos castelhano-leoneses no que se refere aos elogios aos reis que conseguiram unificar reinos. Concomitantemente, não é esquecido nenhum dos episódios mais nublosos ou humilhantes dos reinados dos soberanos castelhanos e leoneses narrados nas crónicas precedentes. Neste âmbito, os processos usados consistem, maioritariamente, na prática da amplificatio e na inserção de excertos épicos ou romanescos. Podemos referir, por exemplo, o desenvolvimento da narrativa dos últimos dias de Fernando I, quando este rei decide dividir o seu território pelos filhos. Trata-se de um texto que, consoante o ponto de vista adoptado (em favor de uma maior ou menor centralização régia) pode ser interpretado seja como um exemplo negativo de divisão dos reinos (uma vez que dá origem a sangrentas guerras fratricidas), seja como uma situação que retrata um rei fraco, de carácter indeciso e influenciável. No entanto, e por outro lado, para Portugal, o excerto pode adquirir uma grande relevância na medida em que não só constitui um precedente para advogar a divisão da Península, como Garcia, o filho mais novo de Fernando I, é contemplado com um reino constituído pela Galiza e pela parte já conquistada de Portugal, o que abre um novo precedente, agora de importância capital[18]. Outro caso será o da interpolação da história das infâncias do Cid, onde a capacidade de acção e decisão do herói contrasta com o carácter temeroso e indeciso do rei Fernando I[19]. No juramento de Santa Gádea, é ainda o Cid que põe em dúvida os meios mais ou menos lícitos pelos quais o futuro Afonso VI teria chegado ao trono castelhano[20]. Noutra ocasião, o mesmo Afonso VI vê-se obrigado a ceder perante o Cid mediante o medo que o poder bélico deste súbdito lhe inspira[21]. Trata-se, novamente, de trechos que retratam uma certa fraqueza por parte da realeza face a uma classe nobre valorosa, quando não, ameaçadora. O ponto de vista que contempla este tipo de situação já tinha sido acentuado em remodelações pós-afonsinas da Estoria de Espanna. No entanto, cabe ainda referir que os mesmo trechos podem, igualmente, servir os interesses da historiografia portuguesa na medida em que, de alguma forma, “diminuem” a imagem de determinados soberanos que, na realidade, unificaram e reinaram sobre grande parte do território ibérico. Por outro lado, a história do primeiro rei de Portugal, Afonso Henriques, é uma narrativa épico-romanesca que nos apresenta o Imperador das Espanhas, Afonso VII, sob uma luz bastante desfavorável, sobretudo no que se refere ao seu pouco discernimento e incompetência estratégica e militar[22]. Com a inserção destes relatos, a Crónica portuguesa está a fazer o mesmo que antes fora realizado com as narrativas sobre Fernán González, uma tradição épica que foi aproveitada para a construção de um passado glorioso para Castela. Do mesmo modo, e apresentando traços que posteriormente mais se irão assemelhar ao protótipo castelhano[23], as lendas relativas a Afonso Henriques construirão um forte suporte para a justificação do direito de Portugal à sua independência[24]. Finalmente, a forma como na Crónica de 1344 é apresentada a contagem dos reis ibéricos não deixa dúvidas quanto à vontade de inserção de Portugal na linha dos reinos mais antigos e mais poderosos da Península:
foron
reis de Castella e de Leom trinta e sete. E, cõ os reis godos, que foron
trinta e seis, fazem sateenta e tres. E, com el rey don Garcia e com
outros sete que forom reis de Portugal, foron per toda conta oyt
Assim, face aos relatos que se concentram na promoção de uma única linha sucessória que ligaria, quase sem divisões ou problemas, os reis godos aos reis asturianos, leoneses e, finalmente, castelhanos[25], surge uma história alternativa. Esta, como temos vindo a verificar, investe em várias frentes. Inclusivamente, chega a cair em paradoxos como seja o de apresentar em paralelo os diversos reinos coexistentes no território ibérico, integrando versões mais extensas a seu respeito[26] e, concomitantemente, procurar inserir Portugal na corrente dominante da história peninsular, podendo, então, esquecer completamente a existência dos outros reinos periféricos, como é patente no trecho anteriormente citado[27]. A narrativa historiográfica torna-se, assim, reflexo das tensões que, de facto, ensombreciam as relações políticas. A enorme difusão desta família textual na Península Ibérica decorre, em grande parte, da capacidade de adaptação, por parte do discurso historiográfico, à defesa e à justificação de diferentes interesses políticos. A permeabilidade deste tipo de texto prende-se com o facto da história ser um discurso permanentemente aberto, sem fim, logo, sempre a actualizar à medida que os acontecimentos vão tendo lugar. Consoante as necessidades sentidas em diferentes locais e épocas, assim o texto é influenciado não só mediante actualizações cronológicas mas também e, sobretudo, pela alteração dos seus anteriores conteúdos de forma a legitimar e a dar sentido a cada presente graças a cópias que, na realidade não são de todo servis relativamente aos seus Modelos[28].
Notas [1] Sobre esta questão ver, por exemplo, os artigos recolhidos por Juan Miguel Labiano Ilundain, Antonio López Eire e Antonio M. Seoane Pardo (eds.), Retórica, política e ideología desde la Antigüedad hasta nuestros días, Salamanca, LOGO: Asociación Española de Estudios sobre Lengua, Pensamiento y Cultura Clásica, 1998, nomeadamente o vol. I (Retórica Clásica y Edad Media), ponto II.2 (Roma. Retórica, Política e Historiografía), p.284-326. [2] Para esta obra foi aqui considerada a versão editada por Ramón Menéndez Pidal como Primera Crónica General de España, Madrid, Gredos, 1977 (daqui em diante PCG). Saliente-se, no entanto, que esta edição se baseou em dois manuscritos compósitos onde intervieram diversas mãos em épocas distintas. No entanto, o seu trecho inicial (até ao cap. 616) consiste na “versão régia” afonsina, ou seja, o texto aprovado pelo soberano como “oficial” aquando da redacção da primeira versão da Estoria de Espanna. Cabe ainda referir aqui que, actualmente, a crítica reconhece duas versões afonsinas da Estoria de Espanna, a “versão primitiva” (cerca 1270-74) e a “versão crítica” (cerca 1282-84). Estas duas versões foram posteriormente combinadas das mais variadas formas, abreviadas, ampliadas, adaptadas, traduzidas e entrecruzadas com novas fontes ou com trechos de fontes já usadas mas anteriormente desprezados, dando origem a uma família textual enorme e extremamente complexa. Sobre estas questões ver Diego Catalán, De Alfonso X al conde de Barcelos, Madrid, Gredos, 1962 e, mais recentemente, idem, De la silva textual al taller historiográfico alfonsi – Códices, crónicas, versiones y cuadernos de trabajo, Madrid, Fundación Ramón Menéndez Pidal / Universidad Autónoma de Madrid, 1997 e idem, La Estoria de España de Alfonso X – creación y evolución, Madrid, Fundación Ramón Menéndez Pidal / Universidad Autónoma de Madrid, 1992. Ver ainda Inés Fernández-Ordóñez, Versión Crítica de la Estoria de España, Madrid, Fundación Ramón Menéndez Pidal / Universidad Autónoma de Madrid, 1993, bem como a útil síntese: idem, “La transmisión textual de la “Estoria de España” y de las principales “Crónicas” de ellas derivadas”, Alfonso X el Sabio y las Crónicas de España, Valladolid: Fundación Santander Central Hispano / Centro para la Edición de los Clásicos Españoles, 2000, p.219-260. [3] Este projecto, de dimensões extraordinárias, ficou inconcluso antes sequer de entrar na Era Cristã (VI Parte). Para uma listagem dos trechos desta obra já editados ver Inés Fernández-Ordóñez, “Antes de la collatio. Hacia una edición crítica de la General estoria de Alfonso el Sabio (segunda parte)”, Aengus Ward (ed.), Teoría y práctica de la historiografía hispánica medieval, Birmingham, The University of Birmingham Press, 2000, p.124-148 (p.142-43). Os excertos desta obra aqui transcritos procedem da seguinte edição: Antonio G. Solalinde (ed.), Alfonso el Sabio, General Estoria, Primera Parte, Madrid, Centro de Estudios Históricos, 1930 (daqui em diante GE: I). [4] Será aqui considerada, em particular, a Crónica de 1344 na sua segunda redacção, texto editado por Luís Filipe Lindley Cintra (ed.), Crónica Geral de Espanha de 1344, Lisboa, I.N.C.M., 1954-1990 (daqui em diante 1344b). [5] No que se refere a Georges Martin, ver, sobretudo, Les juges de Castille. Mentalités et discours historique dans l’Espagne médiévale (Annexes des Cahiers de Linguistique Hispanique Médiévale, 6), Séminaire d’études médiévales hispaniques de l’Université de Paris XIII – Klincksieck, Paris, 1992. Peter Linehan, por seu turno, resume o estado da investigação no artigo “Lucas de Tuy, Rodrigo Jiménez de Rada y las Historias Alfonsíes”, Inés Fernández-Ordóñez (ed.), Alfonso X el Sabio y las Crónicas de España, Valladolid: Fundación Santander Central Hispano / Centro para la Edición de los Clásicos Españoles, 2000, p.19-36. [6] Obra terminada em 1236, tendo sido editada por A Scott (ed.), “Chronicon Mundi Lucae Tudensis”, Hispaniae Illustratae, IV, Frankfurt, 1608, p.1-116. [7] Juan Fernández Valverde (ed.), Historia de Rebus Hispanie sive Historia Gothica Roderici Ximenii de Rada, Turnhout, Brepols, 1987. No que respeita à datação desta obra, o final do texto remete para o ano de 1243. [8] Peter Linehan (op. cit.) afirma, a propósito da obra de Lucas de Tui: “Lucas presenta su historia como un tratado moral, un vademecum de buen gobierno para el regimiento del rey, [...] El regimiento correcto empieza por el regimiento de uno mismo, de acuerdo con una serie de preceptos morales dirigidos al rey Fernando III y enunciados por la reina madre, Berenguela de Castilla.” (p.23), acrescentando adiante: “Como ha demostrado Georges Martin en su agudo análisis de la leyenda de los Jueces de Castilla, a Lucas le interesaba mucho menos reconciliar a la aristocracia territorial que poner en la picota a sus miembros presentándolos como individuos subversivos que perturban la paz regia” (p.25). [9] “Había, además, que ajustarse a otros programas ideológicos. Martin ha dedicado especial atención a la forma en que Rodrigo reformula la leyenda de los Jueces de Castilla, inter alia para presentar una visión alternativa de la sociedad, en que la relación natural entre el rey y la aristocracia no se basa en la hostilidad, sino en la coexistencia” (idem, ibidem, p.31). [10] Peter Linehan (ibidem) escreve, a propósito de Lucas: “Las fuentes reales e inventadas indicaban que en el siglo VII Sevilla gozó de primacía eclesiástica sobre Toledo. [...] Así, Lucas participaba de la dimensión eclesiástica de la rivalidad castellano-aragonesa” (p.27). [11] “Al igual que Lucas, y bajo el amparo del encargo real, Rodrigo siguió un plan propio, basado en su caso en la promoción y en la prosperidad de la iglesia de Toledo.” e “Los hechos relativos a León también son depurados de forma sistemática” (idem, ibidem, p.31). [12] Sobre este assunto, ver Isabel de Barros Dias, “Le duel des géants”, Rosanna Brusegan, Alessandro Zironi, Anne Berthelot et Danielle Buschinger (eds.), L’Antichitá nella Cultura Europea del Medioevo, Greifswald, Reineke-Verlag, 1998, p.195-205. [13] “In Hispania etiam hora natiuitatis domini circa noctis medium quaedam nubes adeo splenduit, ut meridiani caloris feruorem & splendorem daret terris.” (Chronicon Mundi, p.29). [14] A primeira versão desta crónica, redigida em 1344, em português, perdeu-se. Só resta uma tradução em castelhano da qual o melhor exemplar é o ms. 2656 da Biblioteca Universitaria de Salamanca (daqui em diante 1344a). Quanto às fontes desta crónica, ver o estudo que precede a edição parcial deste texto: Diego Catalán et María Soledad de Andrés (eds.), I Edición Crítica del Texto Español de la Crónica de 1344 que ordenó el Conde de Barcelos don Pedro Alfonso, Madrid, Gredos, 1970. [15] Sobre este assunto ver Isabel de Barros Dias, “Metamorfoses de Babel. A historiografia ibérica (sécs. XIII-XIV): Construções e estratégias textuais”, Tese de Doutoramento apresentada à Universidade Aberta em 2000 (I Parte, ponto 4). [16] Sobre este assunto, ver o artigo referido na nota 12. São aqui retomadas algumas observações já apresentadas em trabalhos anteriores: Isabel de Barros Dias, “Cantares de unificação e de partição”, Discursos. Língua, Cultura e Sociedade, III série, 1, 1999, p.153-163; idem, “Dialogue et Confrontation Idéologique”, Danielle Buschinger (ed.), La Guerre au Moyen Age, Amiens, Presses du Centre d’Études Médiévales: Université de Picardie – Jules Verne, 2000, p.47-54 e Tese de Doutoramento referida na nota anterior (igualmente I Parte, ponto 4). [17] Caso da enumeração das diversas batalhas travadas entre Aníbal e os Romanos (1344b: II, 84-86). [18] A Crónica de Veinte Reyes (José Manuel Ruiz Asencio e Mauricio Herrero Jiménez (transcr.), Crónica de Veinte Reyes, Burgos, Ayuntamiento de Burgos, 1991 – daqui em diante Cr20R), que segue aqui o texto da “versão crítica” da Estoria de Espanna, apresenta um texto mais extenso do que o da PCG mas que, no entanto, não é tão amplificado como o da crónica portuguesa. [19] Estes textos surgem interpolados entre os Caps. 803-4, 804-5, 809-10 e 810-11 da PCG. [20] Cap. 845 da PCG, 416-18 da 1344a, e 508-10 da 1344b. [21] Estes textos formam uma interpolação que surge entre os Caps. 895-6 da PCG. Constituem os Caps. 490-99 da 1344a e 582-91 da 1344b. A Cr20R refere os conflitos entre o Cid e Afonso IV que, no entanto, não são aqui seguidos de nenhuma cedência por parte do rei (Cr20R: X, caps. 47-53). [22] Este texto é interpolado entre os Caps. 979-980 da PCG (1344b: caps. 705-15). A Cr20R refere alguns elementos da tradição lendária de Afonso Henriques (Cr20R: XII, caps. 4-9), no entanto, o relato onde o Imperador é enganado não consta desta crónica. [23] Sobre os desenvolvimentos posteriores das lendas sobre Afonso Henriques ver Luís Filipe Lindley Cintra, “A Lenda de Afonso I, Rei de Portugal (origens e evolução)”, ICALP Revista, 16-17, 1989, p. 64-78 ou António José Saraiva, O Crepúsculo da Idade Média em Portugal, Lisboa, Gradiva, 1998, nomeadamente “A primeira narrativa do milagre de Ourique” (p.163-166). [24] Sobre este assunto ver Isabel de Barros Dias, “Ares, Marte, Odin...”, Aengus Ward (ed.), Teoría y práctica de la historiografía hispánica medieval, Birmingham, The University of Birmingham Press, 2000, p.80-98. [25] No âmbito desta questão, é importante relembrar a existência de um topos narrativo de acordo com o qual, sempre que se começa a falar de um novo rei, é-lhe atribuído um número seguindo uma ordem que começa com o primeiro rei da Reconquista (que era, obviamente, um nobre godo, escolhido por Deus para comandar as forças cristãs de resistência à invasão muçulmana). Quando Castela passa de condado a reino e adquire importância, os seus soberanos são associados a esta linha. Quando Leão e Castela não estão unificados, os respectivos reis, apesar de serem contemporâneos, recebem números de ordem seguidos, como sucede com Sancho III de Castela (28o) e com o seu irmão Fernando II de Leão (29o). [26] Com efeito, as narrativas sobre os reis dos reinos periféricos de Aragão, Navarra e Portugal surgem numa versão continuada, ausente da PCG (1344a: caps. 312 e 321-331; 1344b: caps. 429, 437-442 e 705-727). [27] Contrariamente à atenção e à amplificação das narrativas respeitantes aos reis de Aragão e de Navarra, estes são esquecidos na contagem geral dos reis peninsulares, anteriormente transcrita, onde se procura simplesmente inscrever os reis portugueses na linhagem dos reis godos, astur-leoneses e castelhanos. [28] Sobre o papel que a inventio pode ter no processo de tradução, ver Rita Copeland, Rhetoric, Hermeneutics, and Translation in the Middle Ages, Cambridge, Cambridge University Press, 1991. ![]() | |||||||
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