As novas medidas de acção para as migrações em Portugal

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: As novas medidas de acção para as migrações em Portugal

Autor: Paulo Manuel Costa

Filiação institucional: Universidade Aberta / CEMRI

E-mail: pmcosta@uab.pt

Palavras-chave: plano estratégico, migrações.

O Plano Estratégico para as Migrações (PEM) foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 12-B/2015, de 20 de Março [1], e procura estabelecer um plano de acção para as migrações para o período de 2015-2020.

Ao contrário dos anteriores Planos para a Integração dos Imigrantes [2], o PEM inclui um enquadramento minimamente compreensível da situação portuguesa, o qual serve para delimitar e justificar a intervenção pública na área. Como aspecto positivo destaca-se, ainda, a vinculação à realização de uma avaliação «externa e independente» sobre a sua implementação.

No entanto, o novo documento mantém a confusão dos anteriores planos entre aquilo que é uma compilação de medidas de diferentes ministérios e o que poderá ser a adopção de uma política coerente e articulada de intervenção. Por isso, temos um documento desequilibrado, com diferente nível de concretização e de densificação das medidas, ao mesmo tempo que se incluem medidas que são mais próprias de planos de actividades de departamentos ou serviços (exs.: medidas 5, 65, 69, 71-74, 77, 78, 84, 85, 88). E o que dizer de medidas como a «divulgação da cinematografia internacional» (medida 48)? Ou a promoção de actividades culturais junto da população imigrante com a realização de um concurso anual sobre Direito de Autor (medida 47)?

Ou a valorização dos talentos nacionais e a criação de um Conselho para o Talento (medida 60)?

Como novidade, o PEM passou a incluir medidas que visam promover o regresso e a integração dos emigrantes, o que não temos a certeza que tenha sido uma boa opção, pois a imigração e a emigração são realidade diferentes, com problemas específicos, pelo que provavelmente seria de evitar a sua junção numa mesma política.

Em termos gerais, o PEM dá destaque a três linhas de intervenção que têm um certo carácter de novidade em relação aos anteriores planos:

- o envolvimento dos municípios nas políticas de integração (medidas 1, 2 e 99);

- o empreendedorismo e a criação do próprio emprego pelos imigrantes, pelos descendentes de imigrantes e pelos emigrantes (em linha com o discurso do governo para todos os problemas sobre desemprego, inovação e competitividade, mas com apoios limitados – medidas 16, 35, 56, 61, 76, 98, 101 e 103);

- o desenvolvimento de uma estratégia para atrair migrantes altamente qualificados (mas sem que se perceba como Portugal se pretende situar no “mercado” internacional e que migrantes pretende atrair e para que sectores de actividades – medidas 61, 62, 63, 76, 90 e 105).

O PEM usa e abusa da referência aos «novos portugueses», quase promovendo uma nova categorização (com todo o potencial de discriminação), pretendendo com isso referir os descendentes de imigrantes que adquiriram a nacionalidade portuguesa e destinando-lhes medidas como a promoção da nacionalidade portuguesa (medida 55) ou a criação de programas de formação para jovens líderes cabo-verdianos (medida 57). Ou seja, um pouco confuso.

A identificação das acções previstas para cada medida e dos indicadores que as medem é frequentemente deficiente e, em regra, estes servem pouco, ou não servem, para avaliar os objectivos e os impactos que se pretendem alcançar com as medidas elencadas. Para além disso, frequentemente, os indicadores parecem estar mais preocupados em assegurar a apresentação de elevadas taxas de execução do que em medir resultados efectivos e, consequentemente, parecem estar construídos para garantir a proclamação do sucesso da implementação do plano.

Como mero exemplo, quando se estabelece uma medida que pretende atrair emigrantes empreendedores (medida 98), o indicador que se deverá utilizar para a avaliar será o «lançamento do programa VEM»?

Como Portugal tem uma boa imagem internacional em matéria de política de integração, muito em resultado das boas classificações no MIPEX [3], o qual, no entanto, apenas mede a transposição de boas práticas internacionais para a ordem jurídica nacional, sem cuidar de avaliar a sua implementação, nem os resultados obtidos, poderá existir a tentação de se crer que está tudo bem em Portugal em matéria de integração dos imigrantes.

Isso não é necessariamente assim, quando pensamos, por exemplo, que o acesso a certos cuidados de saúde ainda está, em larga medida, condicionado pela regularidade da permanência em Portugal (e o PEM continua a pretender manter uma solução provisória para o problema – medida 26).

Que o problema da habitação é importante e real para muitos imigrantes, como as recentes demolições de habitações de tipo abarracado vieram mais uma vez demonstrar [4], e continua sem solução.

Ou que o acesso a certas prestações de segurança social ou a direitos políticos ainda está condicionado pelo princípio da reciprocidade, cuja efectividade num mundo globalizado faz cada vez menos sentido.

Diga-se que, no caso dos direitos políticos, a objecção constitucional (artigo 15.º/CRP) pode ser ultrapassada em sede de revisão da Constituição e que, em qualquer caso, essa dificuldade pode ser superada com o desenvolvimento de uma acção política externa que valorize a reciprocidade e a protecção dos portugueses emigrantes, através do reconhecimento de novos direitos nos respectivos países de acolhimento. O que não é evidente é como a não atribuição de direitos a estrangeiros, porque eles não são reconhecidos aos portugueses em condições de igualdade, seja vantajoso para Portugal e para os portugueses emigrantes e porque é que não se desenvolve uma acção consistente para garantir mais direitos para os portugueses emigrantes.

Um plano estratégico de intervenção para a integração dos imigrantes terá de estabelecer linhas políticas gerais que sirvam de orientação para todos os envolvidos no processo de integração e deverá condicionar as respectivas opções políticas. Como tal, não devem ser os ministérios e os serviços a escolher livremente as medidas que querem desenvolver e depois elas serem agrupadas num só documento.

Para além disso, um qualquer plano deste tipo deverá servir para melhorar a condição geral dos imigrantes residentes em Portugal, pelo que a sua avaliação terá de ter em conta o respectivo impacto nas condições de vida dos imigrantes e não pode estar centrada apenas nas taxas de execução das medidas.

Notas

[1] Disponível no Diário da República Electrónico em: https://dre.pt/application/file/66817379

[2] O primeiro plano foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007

(https://dre.pt/application/file/415287) e o segundo plano pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 74/2010 (https://dre.pt/application/file/341932).

[3] Migrant Integration Policy Index – http://www.mipex.eu/

[4] Demolição de barracas no bairro de Sta. Filomena – Amadora (Lisboa): http://www.jn.pt/paginainicial/pais/concelho.aspx?Distrito=Lisboa&Concelho=Amadora&Option=Interior&content_id=4478026

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